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A importância da implementação de um canal de denúncias dentro das organizações



O presente artigo tem por objetivo apontar a importância para as empresas inseridas no atual cenário mundial de terem um canal de denúncias e quais as condições nas quais esse programa deve ser implementado, além dos cuidados com a forma como as informações obtidas serão gerenciadas.

Em um mundo tão globalizado, e com o aumento exponencial de regras de compliance, se faz cada vez mais premente a necessidade das empresas implementarem programas e ações voltados à manutenção da ética e princípios de transparência e lisura nas organizações.

Uma das ações mais comuns e esperadas das grandes empresas atualmente, inclusive sugerida pelo Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), é a implementação de um sistema de denúncias, disponível para seus funcionários, colaboradores e parceiros.

Para as empresas listadas em bolsas de valores, essa exigência se torna ainda mais rígida, sendo certo que, em alguns países, sua implementação é obrigatória para que a empresa possa ser listada.

No Brasil, a Lei n° 13.303, de 30/06/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, determina que:

Art. 9°. A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam: […] § 1°. Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade, que disponha sobre:[…] III – canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais; IV – mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias;” .

As maiores mineradoras do mundo já têm implementado um canal para denúncias de questões legais e de descumprimento de seus códigos de ética, sendo tais canais disponíveis, inclusive, para quaisquer terceiros. É o caso, por exemplo, da Vale, Anglo, Codelco, Votorantim, ArcelorMittal, Caraíba e grupo Yokogawa.

Cabe a cada organização determinar quais assuntos podem ser objeto de denúncia através do(s) canal(is) oferecido(s), podendo abranger, entre outros, questões de corrupção, conflito de interesses, segurança, suborno, assédio e muitos outros detalhes que podem ser específicos de cada empresa.

Por isso, um dos primeiros passos é elaborar e divulgar, a todos os seus funcionários, colaboradores e parceiros, um Código de Conduta, no qual ficarão estabelecidas quais condutas são esperadas e quais condutas não serão aceitas pela empresa.

A Lei nº 12.846/2013, também chamada de Lei Anticorrupção, prevê a responsabilização objetiva, independente da comprovação de culpa, no âmbito civil e administrativo, no caso de empresas que cometam atos de corrupção.

O ordenamento determina multas rígidas de até a 20% do faturamento bruto anual da empresa, ou até 60 milhões de reais, quando não for possível calcular o faturamento bruto e publicação da condenação nos meios de comunicação.

No que se refere à aplicação de penalidades, a Lei leva em consideração na hora da aplicação das sanções e para dosar o valor da multa:

a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.”

Isto significa que ter um Programa de Compliance Efetivo e um Canal de Denúncias externo pode reduzir de 1% a 4% no caso de condenação de multa, segundo o Decreto 8.420/2015.

Um dos critérios para a avaliação dos programas de integridade é a existência de: “canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé”.

Além da legislação federal, alguns estados exigem a existência de um canal de denúncias efetivo como requisito para poder firmar contratos públicos. É o caso dos Estados do Amazonas (Lei Estadual 4.730/2018), Rio de Janeiro (Lei Estadual 7.753/2017), Distrito Federal (Lei Estadual 6.112/2018), Goiás (Lei Estadual 18.672/2014), Rio Grande do Sul (Lei Estadual 15.228/2018) e Espírito Santo (Lei Estadual 10.793/2017).

Além de estar em conformidade com a legislação, a implementação de um canal de denúncias traz às empresas vantagens, tais como: redução dos prejuízos gerados com fraudes e atos ilícitos que podem impactar o cofre da empresa; minimizar as chances de problemas judiciais que possam acarretar multas e sanções pesadas, podendo, até mesmo, conduzir à falência da empresa; geração de um diferencial competitivo para o negócio, prevenção contra crises de imagem; e identificação de fraudes e atos ilícitos que podem impactar o cofre da empresa.

Segundo o The Association of Certified Fraud Examiners [ACFE] (2014), os prejuízos com atos fraudulentos, decorrentes de não conformidades regulatórias, roubos e outros, podem chegar a perdas em torno de U$ 3,7 trilhões (anuais) em termos globais, representando cerca de 5% das receitas anuais das organizações, podendo atingir o montante corresponde entre 3% e 5% do PIB de um país.

Por outro lado, a pesquisa “Integridade corporativa no Brasil – Evolução do compliance e das boas práticas empresariais nos últimos anos” mostrou que em 211 empresas brasileiras, entre 2012 e 2017, mais da metade das irregularidades foram detectadas por mecanismos internos como Canal de Denúncias.

Uma vez decidido sobre a implementação do canal de denúncias, as empresas devem fazê-lo de acordo com algumas condições e cuidados.

A Controladoria Geral da União (CGU) oferece algumas orientações em sua cartilha para uma implementação mais segura e efetiva. Segundo suas determinações:

  • é necessário disponibilizar diferentes meios para a coleta das denúncias;

  • o canal deve ser acessível tanto para o público interno quanto externo;

  • deve ser permitido realizar denúncias anônimas;

  • deve haver ferramentas que permitam ao denunciante acompanhar aquilo que relatou;

  • a empresa deverá ter uma área específica de Programa de Integridade;

  • deve haver um código de ética ou conduta;

  • os colaboradores devem ser treinados para saberem trabalhar de acordo com as normas estabelecidas;

  • o monitoramento das ações dos funcionários deve ser contínuo.

A principal característica desse programa deve ser sua disponibilidade, ou seja, deve estar disponível para todos os funcionários, terceirizados ou parceiros. De preferência, a empresa deve disponibilizar meios distintos, como por exemplo: e-mail, websites, telefone ou caixas de correios.

Ao menos um dos canais oferecidos devem estar disponíveis de forma constante e contínua, ou seja, as organizações precisam considerar meios para receber as denúncias 24 horas por dia, durante os 7 dias da semana, 365 dias por ano, com a finalidade de que os usuários possam efetuar a ligação sempre que acharem pertinente ou se sentirem mais confortáveis.

Também é recomendado que, ao menos um dos canais disponibilizados, seja neutro, ou seja, a denúncia seja recebida por pessoas alheias à corporação, garantindo, assim, isenção total na análise do que foi informado pelo denunciante.

Sempre deve ser oferecido o anonimato para aqueles denunciantes que não desejarem se identificar. Os números não deverão ser registrados e o protocolo do relatório não pode ser rastreado.

Contudo, uma das maiores preocupações do anonimato é o seu mau uso. Assim, cumpre admitir a existência desse perigo e os números certificam que, realmente, em denúncias anônimas, a quantidade de denúncias infundadas é elevada. Mas, o número de alegações pertinentes também é alto, compensando, assim, as ligações irrelevantes.

Nesse panorama, com um canal de denúncias eficiente, a organização passará a ter conhecimento de erros potenciais e, a partir daí, deverá engajar-se na apuração dos casos, com o objetivo de certificar ou não as denúncias realizadas.

Durante a Cúpula do G20, realizada em Seul no ano de 2010, foi aprovado um Plano de Ação Anticorrupção que tem como uma das prioridades em sua agenda a proteção de denunciantes. De acordo com o estudo publicado pelo G20, a proteção de denunciantes é essencial para encorajar relatos de má conduta, fraude e corrupção de autoridades públicas. O risco de corrupção é significativamente elevado em ambientes onde o ato de denunciar autoridades não é estimulado, nem protegido.

Um sistema adequado de proteção ao denunciante deve proporcionar ao mesmo imunidade contra toda forma de retaliação no local de trabalho, direta ou velada, tais como medidas disciplinares, demissão ou exoneração, transferência punitiva, redução de remuneração ou de benefícios, restrição de acesso a oportunidades de treinamento ou promoção na carreira, redução de carga de trabalho ou designação para executar tarefas penosas ou de menor status, ou ainda contra qualquer forma de assédio ou tratamento discriminatório, incluindo a ameaça de tais atos.

Finalmente, é imprescindível que a empresa garanta a confidencialidade das informações objeto da denúncia, a começar pela identidade do denunciante, caso o mesmo tenha optado por informa-la.

Por isso, a equipe designada para receber as denúncias, caso o canal seja interno, deve ser bem treinada e orientada em como lidar com as informações recebidas, dando-lhes a devida atenção e cuidando, sem, contudo, revelar informações confidenciais e pessoais daqueles envolvidos na denúncia.

A equipe que receberá as denúncias também deve garantir que será sempre dada uma resposta ou algum retorno sobre as denúncias, ainda que, após a investigação, a denúncia for considerada improcedente. Isso ajuda a conquistar a credibilidade e a confiança nesse canal.

A Lei 13.709/2018, mais conhecida como LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, tem como premissa resguardar os direitos fundamentais de liberdade e privacidade, e define regras e limites para empresas a respeito da coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados. A penalidade para violação da proteção a essas informações pode variar entre uma simples advertência a uma multa de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração.

Dessa maneira, não basta implementar um canal de denúncias, mas garantir que o mesmo seja amplamente divulgado entre todos os colaboradores da organização, os quais devem receber treinamentos e orientações constantes.

A adoção de práticas de compliance demonstra o comprometimento das organizações não apenas com a lei, mas também com uma gestão responsável e transparente, de modo a conduzir seus negócios com ética, moral e integridade, o que certamente a tornará competitiva em relação ao mercado e merecedora de credibilidade em relação à sociedade.

A sua empresa está pronta para essa realidade?

Este artigo de: Luis Maurício Azevedo (OAB 80412 RJ) e Samantha M. de C. Bittencourt (OAB 147921 RJ), respectivamente sócio e advogada sênior da FFA LEGAL, escritório especializado no atendimento jurídico, contábil-fiscal e administrativo a empresas do ramo de mineração, e direcionado a seus clientes e parceiros.

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